Exibi para os alunos do 2o EJA o filme Capitães da areia, aproveitando em seguida para levantar uma discussão sobre a situação das crianças de rua, retratada na película. Também distribuí cópias de um trecho do livro. Em seguida, pedi que produzissem um texto a partir das seguintes questões:
Dora e Pedro Bala
1) A história de Capitães da areia se passa nos anos 1930. Na sua opinião, o que mudou na realidade das crianças de rua brasileiras daquele tempo para hoje? Houve avanços? Piorou?
2) O personagem "Professor" afirma à certa altura do filme que "A gente nunca vai deixar de ser ladrão. Não podemos ser outra coisa." Você concorda com ele ou acredita que um menor infrator pode se regenerar e deixar a marginalidade?
3) O que se ganha e o que se perde ao se adaptar uma obra literária para a TV ou o cinema? Quais as vantagens e desvantagens do filme em relação ao livro?
Professor concursado de Língua Portuguesa na EEEFM Daura Santiago Rangel, em João Pessoa, desde março de 2012. Mestrando em Literatura na UFPB. CONTATO: brunoerre@gmail.com
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segunda-feira, 27 de agosto de 2012
quinta-feira, 23 de agosto de 2012
Variações linguísticas
Para trabalhar o conteúdo variações linguísticas, sugerimos a canção "Conselho de mulher", acima, de Adoniran Barbosa, e o poema "Relicário", do modernista Oswald de Andrade.
Relicário
No baile da Corte
Foi o Conde d'Eu quem disse
Pra Dona Benvinda
Que farinha de Suruí
Pinga de Parati
Fumo de Baependi
É comê bebê pitá e caí
Relicário
No baile da Corte
Foi o Conde d'Eu quem disse
Pra Dona Benvinda
Que farinha de Suruí
Pinga de Parati
Fumo de Baependi
É comê bebê pitá e caí
Que tal, após apresentar esses textos aos alunos, pedir que eles os "traduzam" para a norma-padrão?
P.S. Sobre variações linguísticas, http://educacao.uol.com.br/disciplinas/portugues/variacoes-linguisticas-o-modo-de-falar-do-brasileiro.htm
P.S. Sobre variações linguísticas, http://educacao.uol.com.br/disciplinas/portugues/variacoes-linguisticas-o-modo-de-falar-do-brasileiro.htm
quarta-feira, 22 de agosto de 2012
OFICINA DE MICROCONTOS III
Após as escritas e reescritas chegamos às versões
finais dos microcontos que, honestamente, me surprenderam pela qualidade.
Proponho aos alunos que divulguem seus trabalhos para o maior número de
leitores/ouvintes possível. Chego a sugerir um sarau, mas eles, tímidos,
recuam. Porém, aceitam que eu escreva seus microcontos no quadro-negro, para
que a turma tenha acesso aos trabalhos dos colegas. E, ainda, eles não só aceitam
como se entusiasmam com a proposta de imprimir e colar os microcontos no mural
da escola (ver foto). Também publico as obras, acompanhadas de um texto meu
contextualizando a experiência em meu blog pessoal (www.6-boca.blogspot.com) e também,
agora, na plataforma e-Proinfo e neste meu novíssimo portfólio digital.
Literatura no mural
“Naquele dia tentamos
mudar o mundo, mas ele não quis acordo.”
“Mil voltas dadas na
cama e o sono sem aparecer.”
“Ele era feio, ela
era feia, mas juntos formavam um belo casal.”
“Se ele não tivesse acreditado tanto, não
teria quebrado a cara.”
“Brincando com a arma
do pai, o irmãozinho, sem saber, ao disparar contra o outro, matou com uma
única bala todos os sonhos de uma família feliz.”
“Tudo seria diferente
se ele não estivesse lá.”
“Aquele policial
racista acabou morto por uma arma branca.”
“Procura-se uma
pessoa sem nome, sem documento e que ainda não nasceu. Quem vir, avise.”
“Olhei. Admirei.
Pensei. Vi um céu tão lindo e Azul, que esconde tanta tristeza. E que a ameaça
a luz.”
“Deixava suas contas
atrasarem mesmo com o relógio adiantado em cinco minutos.”
“Seus risos eram escondidos. Dores insanas.”
“Eu via a cena, mas
não sabia se estava participando.”
Viviane Nascimento
A qualidade dos
microcontos acima - em uns mais, em outros menos - é evidente. Observe também a
variedade. Tem politicamente correto, exercícios de síntese, lição de moral,
lirismo e até fantástico.
O que poderá ser
surpresa é que essas produções são de alunos meus de EJA (Educação de Jovens e
Adultos), de uma escola estadual da periferia. Perfil: entre 18 anos e a
terceira idade, tiveram de interromper os estudos e agora correm atrás do
prejuízo ou, mesmo, só entraram numa sala de aula já adultos.
São estudantes que
têm algumas dificuldades, óbvio, e por isso alguns apelidam o EJA de “Eles
Jamais Aprenderão”. Mas o que esses microcontos me ensinaram é que, com um
empurrãozinho de nada, a literatura pode brotar de qualquer lugar.
Literatura no mural
OFICINA DE MICROCONTOS II
Relato a
seguir as etapas da oficina, realizada com os alunos do 3º EJA da EEEFM Daura
Santiago Rangel:
Inicialmente,
reviso o conceito de gênero textual, ponto de partida para o trabalho de
conceituação de ficção. Daí, discuto os gêneros desta: conto, novela e romance,
sempre ressaltando as noções de enredo e personagem, e discutindo as
especificidades de cada forma, como
por exemplo a extensão e a complexidade de cada uma.
O passo
seguinte é apresentar as características do microconto. Como quase tudo (talvez
tudo) em literatura, a definição de microconto é discutível. Uma delas afirma
que ele deve ter a extensão máxima de um tweet,
ou seja, 140 caracteres.
Como exemplo,
apresento aos alunos os seguintes microcontos, e os provoco a perceberem que,
mesmo muito curtos, tais textos trazem enredo, personagens e, sobretudo,
qualidade literária – aquele trabalho com a linguagem que distingue literatura
da linguagem cotidiana:
“Vende-se:
Sapatinhos de
bebê nunca usados”
Ernest
Hemingway
“Gravidez:
Deu para engordar.”
Cristina
Alves
A próxima
etapa é prática. Concedo aos alunos o prazo de uma semana para criarem um
microconto. A seguir resumo o envolvimento de cada turma com a ideia:
3º EJA “A”: O
engajamento foi bastante satisfatório. Dos alunos que frequentam regularmente
as aulas, apenas dois não produziram ao menos um microconto. Alguns a princípio
copiaram obras da internet e apresentaram como suas. Expliquei que isso
caracterizava plágio e, para talvez a surpresa deles mesmos, depois conseguiram
criar seus contos, e com qualidade. Houve casos ainda de alunos que entenderam
que eu havia pedido uma pesquisa sobre a definição de microconto, no que eu
expliquei que aquele não era o foco, e esses também criaram seus próprios
trabalhos.
3º EJA “B”:
Ao contrário da outra turma, aqui encontrei resistência à ideia e apenas um
aluno aceitou o desafio e, após algumas tentativas, conseguiu produzir um
microconto que pudesse ser assim chamado.
sábado, 18 de agosto de 2012
OFICINA DE MICROCONTOS
EEEFM DAURA SANTIAGO
RANGEL
Disciplina: Língua
Portuguesa
Ensino médio – EJA
Prof. Bruno Ricardo
ATIVIDADE: OFICINA DE
MICROCONTOS
Conteúdos:
Literatura, produção
textual, gêneros textuais, ficção.
Objetivos:
Geral: Apresentar aos
alunos o conceito de narrativa ficcional, levando-os a também a
praticarem a redação de microcontos.
Específicos:
- Entender as particularidades da escrita ficcional.
- Tomar contato com autores da literatura universal que produziram microcontos.
- Escrever e publicar microcontos., tanto para a comunidade escolar como para o público em geral, através da web.
Desenvolvimento:
- Introduzir os alunos nas características da ficção; diferenciar conto, novela e romance, do ponto de vista da complexidade, extensão, entre outros aspectos
- Apresentar aos alunos o conceito de microcontos, bem como seu histórico e acesso a alguns escritores que ajudaram a canonizar o gênero, como Dalton Trevisan e Ernest Hemingway.
- Escrita e reescrita dos microcontos
- Publicação dos textos produzidos pelos alunos no mural da escola e em um blog a ser criado especificamente para a oficina
Avaliação
Fazer os alunos
perceberem no que a linguagem literária se diferencia, do ponto de
vista de seus objetivos, da cotidiana. Levá-los a entenderem que
ficção trabalha, básica e fundamentalmente, com enredo e
personagens. Observar a prática da concisão, que justifica o
microconto.
Marcadores:
alunos,
conto,
EJA,
literatura,
projeto didático
quinta-feira, 9 de agosto de 2012
O teórico húngaro Ference Fehér é o autor de "O romance está morrendo?".
Não estranhe o título apocalíptico, ele não está sozinho.
Muita gente diz que o romance é um gênero superado, moldado em Cervantes, aprimorado entre as revoluções industriais e esgotado em Joyce e Kafka.
Na minha humilíssima opinião, dizer que o romance já deu o que tinha que dar é tão descabido quanto afirmar que a História acabou junto com o Muro de Berlim.
Porém, eu já acho que o conto envelheceu melhor que seu primo maior. Por mais incensados que sejam os contos de Machado de Assis, Lima Barreto, Poe, etc., eu sinto muito mais prazer nas experiências mais modernas de Cortázar, Rubem Fonseca e vários outros.
Aqueles mestres deram o pontapé inicial, mas o conto progrediu muito e soube, sim, se adaptar melhor que o romance, o qual tem como habitat natural a sociedade burguesa do século XIX (nisso concordam 100% dos críticos). E de fato, eu não conheço nenhum romance recente que sirva pra amarrar os sapatos de Dom Casmurro.
Não estranhe o título apocalíptico, ele não está sozinho.
Muita gente diz que o romance é um gênero superado, moldado em Cervantes, aprimorado entre as revoluções industriais e esgotado em Joyce e Kafka.
Na minha humilíssima opinião, dizer que o romance já deu o que tinha que dar é tão descabido quanto afirmar que a História acabou junto com o Muro de Berlim.
Porém, eu já acho que o conto envelheceu melhor que seu primo maior. Por mais incensados que sejam os contos de Machado de Assis, Lima Barreto, Poe, etc., eu sinto muito mais prazer nas experiências mais modernas de Cortázar, Rubem Fonseca e vários outros.
Aqueles mestres deram o pontapé inicial, mas o conto progrediu muito e soube, sim, se adaptar melhor que o romance, o qual tem como habitat natural a sociedade burguesa do século XIX (nisso concordam 100% dos críticos). E de fato, eu não conheço nenhum romance recente que sirva pra amarrar os sapatos de Dom Casmurro.
Em "O crocodilo" Vinícius prova que um filho é pior que o assustador réptil. Esta última estrofe é perfeita:
O filho é um monstro. E uma vos digo
Ainda por píssico me tomem:
Nunca verei um crocodilo
Chorando lágrimas de homem.
O filho é um monstro. E uma vos digo
Ainda por píssico me tomem:
Nunca verei um crocodilo
Chorando lágrimas de homem.
João Pessoa, 17 de agosto do ano da Graça de 2009, 1h52 da tarde.
Bruno R corrige redações de alunos da terceira série do ensino médio.
A Amazônia ela produz a parte maior de sua própria chuva, porquê ela é bastante grande.
O excesso do desmatamento pode degradar o ciclo hidrológico porque não são apenas essencial para a manutenção das nossas floresta mais ela também garante o significado da chuva.
O desmatamento pode acabar com varias coisas, tipo assim, com o ciclo Hidrológico, com a nossa manutenção de grandes floresta e com a energia hidreletrica etc...
Bruno R corrige redações de alunos da terceira série do ensino médio.
A Amazônia ela produz a parte maior de sua própria chuva, porquê ela é bastante grande.
O excesso do desmatamento pode degradar o ciclo hidrológico porque não são apenas essencial para a manutenção das nossas floresta mais ela também garante o significado da chuva.
O desmatamento pode acabar com varias coisas, tipo assim, com o ciclo Hidrológico, com a nossa manutenção de grandes floresta e com a energia hidreletrica etc...
Acontece na vida...
O documentário Pro dia nascer feliz apresenta uma adolescente pobre do interior de Pernambuco que escreve poemas tão bons que ninguém acredita que saíram da cabeça dela. Os olhares de desconfiança fizeram a menina sentir vergonha de mostrar o que produzia.
Uma colega minha que dá aula no ensino fundamental numa escola da periferia me contou que uma de suas alunas escreveu um poeminha sobre seu gato e quis inscrever num concurso de redação promovido pela prefeitura. E a diretora não quer permitir, porque acredita que só pode ter sido plágio.
Uma colega minha que dá aula no ensino fundamental numa escola da periferia me contou que uma de suas alunas escreveu um poeminha sobre seu gato e quis inscrever num concurso de redação promovido pela prefeitura. E a diretora não quer permitir, porque acredita que só pode ter sido plágio.
Enquanto isso, na sala de professores
- Não aguento quando vêm pra mim com essa falsa modéstia de chamar negro de moreno! - Diz, entrando na sala e caminhando até a mesa, um professor negro. - Nós, pessoas cultas, não podemos permitir isso! - Senta, puxando a cadeira com raiva.
- É porque tem muitas pessoas morenas que acham que é preconceito. Ah, não aguento mais essa conversa! - Responde, impaciente, uma professora branca. - Esse assunto é muito cafona... O movimento negro tem muita hipocrisia, coisa de quem não tem o que fazer.
- É porque tem muitas pessoas morenas que acham que é preconceito. Ah, não aguento mais essa conversa! - Responde, impaciente, uma professora branca. - Esse assunto é muito cafona... O movimento negro tem muita hipocrisia, coisa de quem não tem o que fazer.
Deixado o medo e solto os belos rebanhos,
Eia, dês os veredictos às celestes, julgando.
Eia, decidindo a melhor imagem da face,
Esta maçã, amado broto, ofereças à mais luminosa!
"O Rapto de Helena", Colutos
Estava semeada a discórdia. Quem seria mais bela: Afrodite, Atena ou Hera?
- Hermes – disse Zeus – leve essas três até o Monte Ida. Lá você encontrará um pastor chamado Páris e lhe ordenará que ele entregue este pomo de ouro àquela que julgar mais graciosa.
Era pra ser uma disputa limpa. Mas Atena, julgando-se sábia, foi a primeira a tentar subornar o jovem, prometendo-lhe vitórias nas pelejas: “Obedece, guerras e invencibilidade te ensinarei. Aos afliltos varões te porei salvador da cidade.”
Hera não deixou barato: - E é? – e vira-se para o filho de Príamo - Pois, se o broto me deres, de toda a nossa Ásia te porei senhor.
Páris estava grogue. Não acreditava no que seus olhos e ouvidos captavam. Mas abestalhado mesmo ele ficaria com a proposta de Afrodite. Sim, a deusa do amor estava tão certa da vitória que nem deu atenção à plataforma eleitoral de suas rivais. – Estás vendo isso? – pergunta, desnudando o véu e inaugurando o topless – É fichinha perto do que te darei se for tua eleita. Te farei esposo de Helena, a mais formidável pequena de toda a Lacedemônia. Que me dizes?
Mais tarde, na casa do Centauro, na Tessália, por ocasião do casamento de Peleu e Thétis, o pai dos deuses inquire seu mensageiro:
- E aí, quem levou?
- Rá! Ainda pergunta?
- Ih... Isso ainda vai dar merda.
- Ô!
- Mas isso é problema dos troianos. Ganimedes, traz mais uma cumbuca de ambrosia, faz favor!
Eia, dês os veredictos às celestes, julgando.
Eia, decidindo a melhor imagem da face,
Esta maçã, amado broto, ofereças à mais luminosa!
"O Rapto de Helena", Colutos
Estava semeada a discórdia. Quem seria mais bela: Afrodite, Atena ou Hera?
- Hermes – disse Zeus – leve essas três até o Monte Ida. Lá você encontrará um pastor chamado Páris e lhe ordenará que ele entregue este pomo de ouro àquela que julgar mais graciosa.
Era pra ser uma disputa limpa. Mas Atena, julgando-se sábia, foi a primeira a tentar subornar o jovem, prometendo-lhe vitórias nas pelejas: “Obedece, guerras e invencibilidade te ensinarei. Aos afliltos varões te porei salvador da cidade.”
Hera não deixou barato: - E é? – e vira-se para o filho de Príamo - Pois, se o broto me deres, de toda a nossa Ásia te porei senhor.
Páris estava grogue. Não acreditava no que seus olhos e ouvidos captavam. Mas abestalhado mesmo ele ficaria com a proposta de Afrodite. Sim, a deusa do amor estava tão certa da vitória que nem deu atenção à plataforma eleitoral de suas rivais. – Estás vendo isso? – pergunta, desnudando o véu e inaugurando o topless – É fichinha perto do que te darei se for tua eleita. Te farei esposo de Helena, a mais formidável pequena de toda a Lacedemônia. Que me dizes?
Mais tarde, na casa do Centauro, na Tessália, por ocasião do casamento de Peleu e Thétis, o pai dos deuses inquire seu mensageiro:
- E aí, quem levou?
- Rá! Ainda pergunta?
- Ih... Isso ainda vai dar merda.
- Ô!
- Mas isso é problema dos troianos. Ganimedes, traz mais uma cumbuca de ambrosia, faz favor!
Manuel Bandeira
(...)
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...
A bala, ou projétil, parte, ou sai, do fuzil, ou arma. Quando o homem, ou soldado, ouve ou escuta, o silvo, ou ruído, da bala ou projétil, joga-se, ou atira-se, por terra, ou chão. Com numerosas variantes ouvi essa técnica de defesa ou proteção, que o infante, ou praça, devia empregar, ou usar, ao primeiro sibilo de refrega, ou combate. Era deitar imediatamente e contra-atacar dessa posição, tentando de todos os modos exterminar, ou matar, o inimigo, ou adversário. Devia-se mirar cuidadosamente o crânio, mandar bala no dito, e se a distância era grande, não permitindo requintes de pontaria, tentar-se-ia acertar no centro, ou meio, da silhueta, ou vulto, e destarte, ou assim, era certo, ou seguro, atingir, ou ferir, o abdome, ou ventre.*
*Trecho de Chão de ferro, livro de memórias de Pedro Nava, onde o autor relembra uma instrução militar que recebeu de um capitão que gostava de falar difícil e usar pares de sinônimos.
*Trecho de Chão de ferro, livro de memórias de Pedro Nava, onde o autor relembra uma instrução militar que recebeu de um capitão que gostava de falar difícil e usar pares de sinônimos.
Fica a dica pra quem tiver à procura de tema pra pós em literatura comparada. Trata-se da óbvia relação entre "Beber, cair e levantar" e "Relicário", de Oswald de Andrade:
No baile da corte
Foi o conde d’Eu quem disse
Pra Dona Benvinda
Que farinha de Suruí
Pinga de Parati
Fumo de Baependi
É comê bebê pitá e caí
No baile da corte
Foi o conde d’Eu quem disse
Pra Dona Benvinda
Que farinha de Suruí
Pinga de Parati
Fumo de Baependi
É comê bebê pitá e caí
Fiquei um pouco triste por não ser jovem e estar fazendo tudo aquilo de novo, bebendo e brigando e jogando com as palavras. Quando a gente é jovem, pode realmente aguentar uma surra. A comida não importava. O que importava era beber e sentar à máquina. Eu devia ter sido louco, mas há muitos tipos de loucura, e alguns são muito gostosos. Eu morria de fome para ter tempo de escrever. Não se faz mais isso. Olhando aquela mesa, via-me ali sentado de novo. Naquele tempo estava louco e sabia disso e não me importava.
Hollywood, Bukowski
Hollywood, Bukowski
Pra quem (não) conhece, um pouco de Sérgio de Castro Pinto
etílico
a vida é dose!
de gole
em gole
- com um olho
cheio
de rum
e o outro
sem rumo -,
o mundo é um porre!
domiciliares
a) bêbado, cadarços são rédeas
que me põem os sapatos.
bêbado, não chego.
bêbado, os sapatos
me entregam a domicílio.
geração 60
a carta branca do montilla
não era de alforria.
o papagaio era calado.
o cuba-livre nos prendia.
e em barris de carvalho
o tempo envilecia.
à companhia de água e esgotos
o hidrômetro
registra
um pingo
de minha vida
sob o chuveiro.
(no fim do mês,
engulo em seco:
taxam-me o dilúvio inteiro!)
noturnos
c) nenhuma ovelha
pula a cerca
de minha insônia.
abato a todas.
e quanto à lã
serve de enchimento
para o travesseiro.
serve
- a cada manhã –
para travestir-me
de cordeiro.
papel de jornal
no papel de jornal
cabe o presente
e o seu papel
de estocar embrulhos.
o presente
e o seu papel
de estocar embrulhos.
no papel de jornal
transporto o presente
e o seu papel
de estocar embrulhos.
o presente
e o seu papel
de provocar engulhos.
no papel de jornal
cabe todo o presente.
o presente
e o seu papel
de sonegar futuro.
a vida é dose!
de gole
em gole
- com um olho
cheio
de rum
e o outro
sem rumo -,
o mundo é um porre!
domiciliares
a) bêbado, cadarços são rédeas
que me põem os sapatos.
bêbado, não chego.
bêbado, os sapatos
me entregam a domicílio.
geração 60
a carta branca do montilla
não era de alforria.
o papagaio era calado.
o cuba-livre nos prendia.
e em barris de carvalho
o tempo envilecia.
à companhia de água e esgotos
o hidrômetro
registra
um pingo
de minha vida
sob o chuveiro.
(no fim do mês,
engulo em seco:
taxam-me o dilúvio inteiro!)
noturnos
c) nenhuma ovelha
pula a cerca
de minha insônia.
abato a todas.
e quanto à lã
serve de enchimento
para o travesseiro.
serve
- a cada manhã –
para travestir-me
de cordeiro.
papel de jornal
no papel de jornal
cabe o presente
e o seu papel
de estocar embrulhos.
o presente
e o seu papel
de estocar embrulhos.
no papel de jornal
transporto o presente
e o seu papel
de estocar embrulhos.
o presente
e o seu papel
de provocar engulhos.
no papel de jornal
cabe todo o presente.
o presente
e o seu papel
de sonegar futuro.
“Naquele dia tentamos mudar o mundo, mas ele não quis acordo.”
“Mil voltas dadas na cama e o sono sem aparecer.”
“Ele era feio, ela era feia, mas juntos formavam um belo casal.”
“Se ele não tivesse acreditado tanto, não teria quebrado a cara.”
“Brincando com a arma do pai, o irmãozinho, sem saber, ao disparar contra o outro, matou com uma única bala todos os sonhos de uma família feliz.”
“Tudo seria diferente se ele não estivesse lá.”
“Aquele policial racista acabou morto por uma arma branca.”
“Procura-se uma pessoa sem nome, sem documento e que ainda não nasceu. Quem vir, avise.”
“Olhei. Admirei. Pensei. Vi um céu tão lindo e Azul, que esconde tanta tristeza. E que a ameaça a luz.”
“Deixava suas contas atrasarem mesmo com o relógio adiantado em cinco minutos.”
“Seus risos eram escondidos. Dores insanas.”
“Eu via a cena, mas não sabia se estava participando.”
A qualidade dos microcontos acima - em uns mais, em outros menos - é evidente. Observe também a variedade. Tem politicamente correto, tragédia, exercícios de síntese, lição de moral, lirismo e até fantástico.
O que poderá ser surpresa é que essas produções são de alunos meus de EJA (Educação de Jovens e Adultos), de uma escola estadual da periferia. Perfil: entre 18 anos e a terceira idade, tiveram de interromper os estudos e agora correm atrás do prejuízo ou, mesmo, só entraram numa sala de aula já adultos.
São estudantes que têm algumas dificuldades, óbvio, e por isso alguns apelidam o EJA de “Eles Jamais Aprenderão”. Mas o que esses microcontos me ensinaram é que, com um empurrãozinho de nada, a literatura pode brotar em qualquer lugar.
“Mil voltas dadas na cama e o sono sem aparecer.”
“Ele era feio, ela era feia, mas juntos formavam um belo casal.”
“Se ele não tivesse acreditado tanto, não teria quebrado a cara.”
“Brincando com a arma do pai, o irmãozinho, sem saber, ao disparar contra o outro, matou com uma única bala todos os sonhos de uma família feliz.”
“Tudo seria diferente se ele não estivesse lá.”
“Aquele policial racista acabou morto por uma arma branca.”
“Procura-se uma pessoa sem nome, sem documento e que ainda não nasceu. Quem vir, avise.”
“Olhei. Admirei. Pensei. Vi um céu tão lindo e Azul, que esconde tanta tristeza. E que a ameaça a luz.”
“Deixava suas contas atrasarem mesmo com o relógio adiantado em cinco minutos.”
“Seus risos eram escondidos. Dores insanas.”
“Eu via a cena, mas não sabia se estava participando.”
A qualidade dos microcontos acima - em uns mais, em outros menos - é evidente. Observe também a variedade. Tem politicamente correto, tragédia, exercícios de síntese, lição de moral, lirismo e até fantástico.
O que poderá ser surpresa é que essas produções são de alunos meus de EJA (Educação de Jovens e Adultos), de uma escola estadual da periferia. Perfil: entre 18 anos e a terceira idade, tiveram de interromper os estudos e agora correm atrás do prejuízo ou, mesmo, só entraram numa sala de aula já adultos.
São estudantes que têm algumas dificuldades, óbvio, e por isso alguns apelidam o EJA de “Eles Jamais Aprenderão”. Mas o que esses microcontos me ensinaram é que, com um empurrãozinho de nada, a literatura pode brotar em qualquer lugar.
A nova estrada
A orientação de ampliar o acesso ao ensino superior gratuito não se restringe à criação de novas universidades ou ampliação das já existentes. Para reunir as instituições que oferecem cursos à distância (EAD), o governo criou a UAB (Universidade Aberta do Brasil).
A UFPB está nessa e faz seu terceiro vestibular no próximo dia 24, com 8.710 candidatos concorrendo a 2.115 vagas. Com a nova leva, a UFPB virtual passará a ter mais de 6 mil alunos, cerca de um quarto do número de alunos convencionais da instituição. Lembrando que o número de cursos oferecidos à distância ainda é reduzido, pois o foco são as áreas que formam professores para a educação básica, ou seja, pedagogia e licenciaturas.
A ideía da UAB é levar a universidade a pequenos municípios que não tenham campi ou ampliar o número de vagas naqueles que já têm (por isso existem pólos em João Pessoa e Campina Grande). A implantação dos pólos se dá de forma similar ao Samu: envolve as três esferas de governo. Daí a importância de um prefeito com boa vontade e visão. Muitos administradores acreditam que investir em saúde é comprar ambulância pra transportar doentes, bem como consideram investimento em educação arranjar um ônibus pra levar os estudantes para estudar nas cidades maiores.
Se entendi bem, a estrutura do pólo é simples: uma sala equipada com computadores ligados à internet. O resto, ou seja, o pagamento de monitores e professores bem como toda a arquitetura do ensino é com a universidade. Por falar em professores, na parte presencial do curso são eles que vão até o aluno, em sua cidade, e não o contrário.
Um fato interessante na UAB é que a expansão das universidades não respeita as fronteiras dos estados a que elas pertencem, o que gera algumas curiosidades. Por exemplo, a pequena Duas Estradas-PB tem um curso de licenciatura em Educação Física oferecido por nada menos que a UnB! Já a UFPB Virtual, além das cidades do interior do estado, tem pólos em Pernambuco, Ceará e até na Bahia.
Caladinho, à margem de discussões que estão sempre nos holofotes, como a das cotas, o EAD cresce e arrebanha entusiastas. Um deles é Claudio de Moura Castro, colaborador da Veja, que escreveu sobre o tema na edição de 15 de abril da revista. Apesar de reconhecer algumas desvantagens ("exige pessoas mais maduras e mais disciplinadas, pois são quatro anos estudando sozinhas"), ele cita o Enade como prova de que o ensino à distância é o futuro: "Em metade dos cursos avaliados, os programas à distância mostram resultados melhores do que os presenciais!" E não para por aí: "Cada vez mais, o presencial se combina com segmentos a distância, com o uso da internet, e-learning, vídeos do tipo YouTube e até o prosaico celular. A educação presencial bolorenta está sendo ameaçada pelas múltiplas combinações do presencial com tecnologia e distância." Será?
A UFPB está nessa e faz seu terceiro vestibular no próximo dia 24, com 8.710 candidatos concorrendo a 2.115 vagas. Com a nova leva, a UFPB virtual passará a ter mais de 6 mil alunos, cerca de um quarto do número de alunos convencionais da instituição. Lembrando que o número de cursos oferecidos à distância ainda é reduzido, pois o foco são as áreas que formam professores para a educação básica, ou seja, pedagogia e licenciaturas.
A ideía da UAB é levar a universidade a pequenos municípios que não tenham campi ou ampliar o número de vagas naqueles que já têm (por isso existem pólos em João Pessoa e Campina Grande). A implantação dos pólos se dá de forma similar ao Samu: envolve as três esferas de governo. Daí a importância de um prefeito com boa vontade e visão. Muitos administradores acreditam que investir em saúde é comprar ambulância pra transportar doentes, bem como consideram investimento em educação arranjar um ônibus pra levar os estudantes para estudar nas cidades maiores.
Se entendi bem, a estrutura do pólo é simples: uma sala equipada com computadores ligados à internet. O resto, ou seja, o pagamento de monitores e professores bem como toda a arquitetura do ensino é com a universidade. Por falar em professores, na parte presencial do curso são eles que vão até o aluno, em sua cidade, e não o contrário.
Um fato interessante na UAB é que a expansão das universidades não respeita as fronteiras dos estados a que elas pertencem, o que gera algumas curiosidades. Por exemplo, a pequena Duas Estradas-PB tem um curso de licenciatura em Educação Física oferecido por nada menos que a UnB! Já a UFPB Virtual, além das cidades do interior do estado, tem pólos em Pernambuco, Ceará e até na Bahia.
Caladinho, à margem de discussões que estão sempre nos holofotes, como a das cotas, o EAD cresce e arrebanha entusiastas. Um deles é Claudio de Moura Castro, colaborador da Veja, que escreveu sobre o tema na edição de 15 de abril da revista. Apesar de reconhecer algumas desvantagens ("exige pessoas mais maduras e mais disciplinadas, pois são quatro anos estudando sozinhas"), ele cita o Enade como prova de que o ensino à distância é o futuro: "Em metade dos cursos avaliados, os programas à distância mostram resultados melhores do que os presenciais!" E não para por aí: "Cada vez mais, o presencial se combina com segmentos a distância, com o uso da internet, e-learning, vídeos do tipo YouTube e até o prosaico celular. A educação presencial bolorenta está sendo ameaçada pelas múltiplas combinações do presencial com tecnologia e distância." Será?
"Magotes de crianças nuas, de hedionda magreza de esqueleto, de grandes ventres, obesos e lustrosos como grandes cabaças, lançavam olhares, terríveis de avidez, sobre pilhas de rapaduras, grandes medidas de quarta, desbordantes de farinha e feijão, pencas de bananas, rimas de beijus, alvíssimas tapiocas, montes de laranjas pequeninas e vermelhas, colhidas na véspera, nos pomares murchos de Meruoca.
Os míseros pequenos, estatelados ao tantálico suplício da contemplação dessas gulodices, atiravam-se às cascas de frutas lançadas ao chão, e se enovelavam, na disputa desses resíduos misturados com terra, em ferozes pugilatos. Era indispensável ativa vigilância para não serem assaltadas e devoradas as provisões à venda, pela horda de meninos, que não falavam; não sabiam mais chorar, nem sorrir, e cujos rostos, polvilhados de descamações cinzentas, sem músculos, tinham a imobilidade de couro curtido. Quando contrariados ou afastados pelos mercadores aos empuxões e pontapés, rugiam e mostravam os dentes roídos de escorbuto. Eram órfaõs quase todos, ou abandonados pelos pais; não sabiam os próprios nomes, nem donde vinham. Privados de memória, bestificados pela carência de carinhos, anestesiados pelo contínuo sofrer, eram esses pequeninos mendigos gravetos de uma floresta morta, despedaçados pelos vendavais, destroços de famílias, dispersadas pela ruptura de todos os laços de interesses e afetos.
Às vezes, a morte os surpreendia durante o sono, junto de um tronco ou na soleira de uma porta. Trespassavam como pássaros, sem contorções, sem estertor, sem um gemido, silenciosos, tranquilos, num sossego de morte, num sossego de liberdade."
A poderosa descrição acima está em "Luzia-Homem", romance naturalista de Domingos Olímpio ambientado no interior do Ceará, durante uma arrasadora seca na década de 1870.
A vida das crianças pobres de hoje parece ter melhorado só um pouco. Já outra passagem, que disponibilizo a seguir, me chamou atenção pela ideia, pelo visto imortal, da juventude transviada. "Ah no meu tempo..."
- (...) Sempre digo que essa criação d'agora não presta. Filhos muito senhores de si, por qualquer descuido, se desgarram. Os meus não punham pé em ramo verde. Muito amor, mas muito respeito e cabresto curto.
- Nestes tempos de miséria - ponderou um carpinteiro idoso - ninguém tem folga para cuidar da criação dos filhos. Vão se criando ao deus-dará, como filhos de pobre.
Os míseros pequenos, estatelados ao tantálico suplício da contemplação dessas gulodices, atiravam-se às cascas de frutas lançadas ao chão, e se enovelavam, na disputa desses resíduos misturados com terra, em ferozes pugilatos. Era indispensável ativa vigilância para não serem assaltadas e devoradas as provisões à venda, pela horda de meninos, que não falavam; não sabiam mais chorar, nem sorrir, e cujos rostos, polvilhados de descamações cinzentas, sem músculos, tinham a imobilidade de couro curtido. Quando contrariados ou afastados pelos mercadores aos empuxões e pontapés, rugiam e mostravam os dentes roídos de escorbuto. Eram órfaõs quase todos, ou abandonados pelos pais; não sabiam os próprios nomes, nem donde vinham. Privados de memória, bestificados pela carência de carinhos, anestesiados pelo contínuo sofrer, eram esses pequeninos mendigos gravetos de uma floresta morta, despedaçados pelos vendavais, destroços de famílias, dispersadas pela ruptura de todos os laços de interesses e afetos.
Às vezes, a morte os surpreendia durante o sono, junto de um tronco ou na soleira de uma porta. Trespassavam como pássaros, sem contorções, sem estertor, sem um gemido, silenciosos, tranquilos, num sossego de morte, num sossego de liberdade."
A poderosa descrição acima está em "Luzia-Homem", romance naturalista de Domingos Olímpio ambientado no interior do Ceará, durante uma arrasadora seca na década de 1870.
A vida das crianças pobres de hoje parece ter melhorado só um pouco. Já outra passagem, que disponibilizo a seguir, me chamou atenção pela ideia, pelo visto imortal, da juventude transviada. "Ah no meu tempo..."
- (...) Sempre digo que essa criação d'agora não presta. Filhos muito senhores de si, por qualquer descuido, se desgarram. Os meus não punham pé em ramo verde. Muito amor, mas muito respeito e cabresto curto.
- Nestes tempos de miséria - ponderou um carpinteiro idoso - ninguém tem folga para cuidar da criação dos filhos. Vão se criando ao deus-dará, como filhos de pobre.
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